
E foi nessa tarde de chuva, que ela se deu conta de que não valeria de nada lutar.
Foi até à janela da sala, desviou os cortinados e olhou o céu. Estava cinzento, com aspecto de que iria trovejar imenso durante a noite. Alguns pingos de chuva caíam e batiam no parapeito da janela. Sorriu e uma lágrima correu.
Ligou a televisão, deitou-se no sofá e pôs pelas pernas uma colcha que tinha feito há 30 anos.
Na televisão estava a dar um programa do género ponto de encontro. Emocionou-se muito e chorou, chorou muito.
Sentia-se cansada de lutar...
Levantou-se, foi até à cozinha e pôs a chaleira ao lume. Tirou do armário uma caneca que dizia "Love You Mummy" e lembrou-se do dia em que a filha lha ofereceu junto com um postal do Dia da Mãe. Foi há tantos anos...recordou...
A chaleira começou a apitar, e ela desligou o gás, pôs açucar na caneca, um pacote de chá de camomila e despejou a água a ferver. Sentiu o cheiro do chá...Há tantos anos que tomava o mesmo chá e não se lembrava do cheirinho delicioso que dele emanava.
Pegou num pacote de bolachas e dirigiu-se para a sala. O programa que tinha estado a vêr momentos antes, tinha acabado. Mudou de canal uma, duas, três vezes e nada do que estava a dar lhe despertava interesse. Pegou numa cassete de vídeo que tinha sempre na mesa da sala, e pô-la no vídeo. Por momentos chegou a pensar em não vêr, mas decidiu que tinha de vêr o filme.
Era um video caseiro já com alguns anos. O vídeo mostrava imagens da familia reunida. Nessa altura a filha ainda estava viva. Chorou, chorou muito e desejou poder morrer naquele instante...
Ficou horas a vêr o filme e sempre que a imagem da filha aparecia, punha em pausa e chorava..chorava muito...
Queria ter forças para fazer justiça pelas próprias mãos. Era tão linda, tão novinha...dizia para consigo. Mas agora...continuou a dizer...já tinham passados tantos anos, ela estava velha e cansada...não poderia fazer nada.
Relembrou os meses anteriores à morte da filha com muita angústia. Relembrou o namoro dela com o rapaz da rua em frente e de como eles eram felizes. Mas...nem sempre as coisas são como planeamos...disse em voz alta.
Relembrou o dia em que chegou a casa e encontrou a filha banhada em sangue. Relembrou o telefonema para a policia, e o ter tentado estancar o sangue com um pano. Tudo em vão...disse num tom de revolta.
O culpado nunca chegou a ser preso. Por falta de provas! Disse com revolta. Provas? Mais provas do que as cartas ameaçadoras que ele lhe escrevia? Malvado! Assassino!
Desligou o vídeo. Estava cansada de tanta mágoa, de tanta raiva! Queria morrer ali, já!
Acabou de beber o chá, pousou a caneca no chão e deixou-se ficar deitada a ouvir a chuva que agora batia com bastante força nos vidros das janelas. Fechou os olhos e na boca conseguia ver-se um sorriso amarelo.
No dia seguinte, quando o filho chegou a casa depois de 12horas de banco no hospital, viu a mãe deitada. Aconchegou-lhe a manta e deu-lhe um beijo. Notou que a mãe estava gelada. Pensou o pior. E era mesmo o pior que tinha acontecido...A mãe estava morta.
Na mão esquerda tinha uma folha de papel amarrotada, que ele conseguiu tirar a muito custo. Abriu a folha e leu: Se estás a lêr estas linhas é porque estou morta. Mas não fiques triste, é sinal de que a tua irmã, a minha adorada filha, me veio buscar. Não chores. Estou feliz e quero que te sintas feliz por mim. Cheguei ao céu. Desta mãe que te ama muito: Céu.
11 comentários:
Tocante,este texto.
Boa noite.
é optimo estar neste espaço... é lindo o blog
Que arrepio de sentimento.... Muito bonito, tocante e despertador.
Beijos grandes
emn***
Esta historia esta realmente linda e cheia de emocoes, se alguns posts compridos são chatos de ler este estava mais do que interessante e compenetrante.
Eh uma historia verdadeira?
Que seja ou nao, essa mulher precisava de paz , de um sossego maior que ela nao tinha meio de encontrar na terra com tanta revolta em seu coração.
Obrigada pela tua visita ao meu blog, como são cartas a uma sofia, sempre fica giro quando uma por la aparece.
Beijokas
Amiga,
Uma historia... uma vida...
Marcante tocante e acima de tudo verdades diárias.
Eu mais que ninguem sabe de dores... filhos... ameaças e marcas corporias... Sei que me compreendes...
Quero-me ir embora. Nada mais desejo neste momento da minha vida!
Continua a escrever assim amiga.
Bjs
Pa
este post tocou-me!
bravo.
faço uma verdadeira vénia a sua autora!
;)
Gostei muito.
Por vezes há muita beleza no sofrimento, e mais tarde conseguimos olhar para trás e lêr essa beleza.
Um beijo
Boa escrita.
Tão boa que faz doer.
espectacular!
tocou-me bastante, uma história de vidas.
um beijo *
Uma historia triste muito bem conseguida...
Uma historia que consegue ter tanto de triste como de bonita...
Muito boa...
brigada pelo post...espero não decepcionar.... também gostei da sua escrita, muito emocionante e bastante objectiva.... a beleza das palavras reflecte a intensidade das emoções...
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